sexta-feira, 21 de março de 2014

As peripécias de Nidinho


Nidinho, uma lenda viva. Foto: Luciano Lugori
- Ô Noêmia, me dê um cigarro.

Com uma voz em baixo tom, esfalfada e marcada por uma vida cheia de histórias e aventuras, Nidinho faz logo apelo à esposa e a quem quer que chegue à sua casa. Por ora deseja um cigarro, que, às vezes, insiste em chamá-lo de “ciguirro”. Com um olhar de quem busca lembranças bem no fundo da memória, Ivanildo ainda reconhece visitantes, mesmo que vagamente.

- Nido, você lembra de mim?

Perguntou Washington Andrade ao cumprimentá-lo.

- É o filho de Nenenzão.

Nidinho respondeu rapidamente, mesmo sem lembrar do nome e a qual filho se referia. Mas ele sabia que quem estava ali, bem à sua frente, era um velho amigo. Logo quis que Mimim o levasse para rua e, claro, pediu-lhe um cigarro. 

Um abraço, um sorriso

Ivanildo Torres Lima, como foi batizado, nasceu em 15 de dezembro de 1940, segundo suas próprias reminiscências. E assim preferi registrar. Ele ficou conhecido como Nidinho e suas histórias hoje fazem parte do “imaginário popular” em Curaçá.

Eu cresci ouvindo “resenhas” sobre as presepadas de Nidinho. Por exemplo, já ouvi falar que ele virou 14 carros. É um número um tanto curioso e exagerado, equivalente às vidas de dois gatos. Só aí se tem repertório para um livro ou mais, mas Nido de professora Noêmia vai além disso.

Seu bar, o baralho, a sinuca, o Botafogo, seu time de coração, suas respostas temperamentais à la Seu Lunga e suas aventuras o transformaram num personagem do folclore curaçaense, num verdadeiro mito.

E se o pessoal o aperreava indagando com o célebre “Quem foi Nidinho?” só pra ouvir a debochada resposta “Pelo menos já fui. E você que não é, não foi e nunca será”, posso afirmar que Nidinho “continua sendo”. Sendo alegre, mesmo fragilizado pela atrocidade do tempo. Sendo irreverente ao contar suas histórias mirabolantes. Sendo lenda. E mais, uma lenda viva.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Título de cidadão curaçaense: quem realmente merece essa honraria?

 
Título concedido a Maria Senhora. Foto: Carmem Iorrana

 Ultimamente a Câmara de Vereadores de Curaçá tem concedido um número relativamente grande de “Títulos de Cidadão Curaçaense”. Fico a me perguntar a quem interessa mais, ao político que fez o projeto para concessão de tal honraria ou ao dito cujo homenageado? O que Curaçá, de fato, ganha com isso? É simbólico, bem verdade, mas o título vai além de um “certificado”, pois leva consigo o gentílico da minha cidade, o adjetivo pátrio que eu e outros milhares enchem o peito de orgulho ao pronunciá-lo, ao dizer o que é. Pra ser curaçaense ou merecedor desse “privilégio” é preciso ser bem mais do que alguns “representantes do povo” conseguem enxergar.

O morador da cidade de Laguna-SC, Renato Souza, indignado com as indicações de alguns nomes disse o seguinte: “fico aqui imaginando quem deveria receber um título de cidadão honorário, pessoas notáveis, penso eu! Aquelas que conseguem fazer a diferença na cidade, que são exemplos de superação, aqueles que mesmo com tantas dificuldades tiram ‘leite de pedra’ para ajudar instituições carentes, asilos, abrigos, ou, mesmo na adversidade, conseguem se sobressair com ideias de baixo custo, mas com resultados expressivos. Um título que deve servir de orgulho para aqueles que em vida continuam lutando pelas coisas boas da terra e de referência para os mais novos que estão despertando para a longa caminhada”.

Quais são os critérios utilizados para as escolhas? O que precisa fazer/ser para se tornar um “cidadão curaçaense? Quais os verdadeiros interesses na indicação de nomes? Qual o limite de sugestões por vereador? Como a população pode participar do processo? Eu posso indicar um nome? Essas são apenas algumas perguntas que zanzam na minha cabeça e na de muitos curaçaenses.
Dona Maria e Seu Nivaldo. Foto: Acervo pessoal de Zé Raimundo


Certo dia, numa aula sobre a História de Curaçá, um aluno manifestou interesse em fazer uma pesquisa sobre “a origem das padarias”. A ideia era fazer a partir da memória dos mais velhos, onde ainda sobrevive nosso passado, a trajetória das padarias em Curaçá. Logo vieram à tona o nome de vários padeiros, dentre eles surgiu o de Nivaldo Santos. Como um de seus filhos trabalhava na mesma escola, eu imediatamente o procurei para saber informações sobre o seu pai e para pedir uma foto do mesmo. Mas um comentário chamou minha atenção. “É verdade, todo mundo ganha o título de cidadão curaçaense, mas meu pai nunca foi reconhecido”, lamentou José Raimundo durante a nossa rápida conversa. Coincidentemente, nesse mesmo dia, a Câmara agraciava mais alguns nomes com esse título.

Imagine quantos curaçaenses não se indagam sobre essas homenagens. Está mais que na hora, aliás já passou do tempo, de participarmos dessas escolhas, seja sugerindo nomes ou analisando aos que forem indicados pelos “nossos” vereadores. Temos a obrigação de corrigir erros, do passado e do presente, fazer justiça e creditar como “curaçaense” quem realmente merece. Ainda existem várias pessoas que estão na nossa terra há muito tempo e nunca foram lembradas. Gente que tem contribuído incessantemente na educação, na arte e na cultura da nossa querida Curaçá. É preciso cuidado, pois quando se dá um “título de cidadão”, se iguala o agraciado ao povo da terra. E será que certos nomes indicados podem ser comparados a Dona Nenzinha, Mãe Sérgia, Zito Torres, Meu Mano, Esmeraldo Lopes ou a qualquer trabalhador e cidadão curaçaense?

sábado, 30 de novembro de 2013

Esmeraldo Lopes, um livro em pessoa


Lugori e Esmeraldo no sofá de Dona Cilá. Foto: Jucélia Almeida

Foram seis horas de muita conversa. A princípio, fui convidá-lo para prefaciar meu livro sobre os “doidos de Curaçá” que ainda está em gestação, mas o bate-papo, talvez instigado pela cerveja ou pela própria loucura, nos conduziu a uma discussão bem mais ampla.

O cenário: o muro da casa de Dona Cilá, com um monte de roupas penduradas no varal e algumas plantas que “enfeitavam” de caatinga o lugar.

Ele xingava, esculhambava, excomungava, e bebia. Contava história, fazia discurso, instigava. Fiquei boa parte do tempo só escutando sua prosa. E ele preocupado sempre perguntava:

- Tá compreendendo?

Falamos dos doidos e dos loucos, discutimos conceitos à luz de Foucault e ele dizia:

- Cuidado! Você está numa "zona de perigo".

Ele sempre alertava para eu sair desses quadrados, das opiniões de filósofos, da reprodução acadêmica, daquilo que estava pronto. E convidava para descobrir o novo e não ficar/viver escravo de certas leituras de mundo.
 

- Os tempos são outros. A sociedade mudou. Hoje não existe mais espaço para os doidos. De uns tempos pra eles “fugiram” daqui.

E contava trechos dos livros Opara, Vozes do Mato, Caminhos de Curaçá, Caatinga e Caatingueiros. E revelou que certo professor chamou sua atenção sobre a expressão “andava andando” que ele colocara num de seus textos, dizendo estar errada, que era uma redundância, que existia uma regra gramatical que a condenava.

- Eu posso "andar pensando", "andar sonhando", não posso?! Então disse, foda-se a gramática. Eu trabalho com expressões. Não vou empobrecer um texto só por causa da gracinha da gramática. Reconheço a sua importância, mas ela não é absoluta.

E finaliza:

- Eu escrevo ouvindo!

A conversa foi um pouco de tudo. Foi aula, orientação, humor, revelação, pesquisa, imaginário. Esmeraldo é não herói, aliás, ele detesta esse adjetivo. Homenagens? Nem agora nem depois, afirma! Ele não se sente mais seguro em Curaçá. E conta que certo dia quase brigou por causa de Nerimar.

- Estava tomando um cerveja quando Nerimar chegou com a porra da sua guitarra invisível e alguém o insultou. Tomei as dores e disse que o “estranho” ali era ele. E disse, se está incomodado, se pique daqui. Toque nele aí que eu quero ver se você é macho mesmo.

Assim como Nerimar, tantos outros foram agredidos pela coletividade, por estranhos. Se antes os doidos andavam por aí, entravam em nossas casas e faziam parte do nosso convívio; hoje é bem diferente, talvez tenha sido por isso que eles “sumiram” daqui. Agora são “lendas”.

Esmeraldo Lopes pode até não querer rótulos, ou como ele mesmo se intitula, ser um “anarquista reacionário sem causa”. Mas eu digo, querendo ou não ele é um dos sustentáculos da nossa cultura, um guardião. Não só por registrar e publicar em suas obras parte de nossa história, recuperar nosso passado, preencher lacunas. Ele, por si só, é um livro em pessoa, com infinitas páginas, cheio de vírgulas, exclamações, interrogações, mas sem ponto final.

sábado, 28 de setembro de 2013

Eu gosto é dos loucos

Boscão no 1 º Tributo a Renato Russo em Curaçá. Foto: Luciano Lugori
Eu prefiro os loucos. Porque gente louca não tem medo do ridículo nem do rótulo. Gente louca não tá nem aí para o que não interessa. Gente louca é leve. E intensa. Com essa gente não tem frescura, não tem censura, não tem 'não-me-toques'. Os loucos te tocam fundo, lá na alma, e te fazem acreditar que o impossível nem sempre é tão impossível assim.

Os loucos arriscam. Largam tudo. Mudam de ideia. De gosto. De direção.

Gente louca sobe no palco e dá show. Manda um "foda-se" do tamanho do universo para tudo o que faz mal. Escuta o coração. Deixa pulsar. Deixa ser. E é.

Gente louca não cabe em definições ou frases prontas. Porque o louco tem um brilho nos olhos diferente de tudo o que a gente já viu brilhar por aí.

Gente louca é artista. Da vida. De si mesmo. E sabe disso. Porque a loucura também é uma forma de sabedoria. Às vezes triste, às vezes divina. Mas sempre sábia. Sempre!

Por Ana Paula Ramos

Salve, salve Boscão!

Algumas mulheres

A história de Curaçá está intimamente ligada a muitas mulheres. Seja na educação, na saúde, na política, na cultura, na religião. Elas de forma ímpar e aguerrida espalharam amor, serenidade, coragem e fé. Aqui, como já disse o título, estão apenas algumas delas.

São avós, mães, filhas, esposas, amigas, santas. A jornalista Alinne Suanne Torres homenageou umas em seu livro “Herdeiras de Feliciana” que, em prefácio assinado por Omar ‘Babá’ Torres, diz: Alinne [...] está nos instigando a também abrir o coração e a mente para que vejamos além do que nos mostram os olhos e revelemos outras tantas mulheres que, anonimamente, vivem por aí...”.

Finalizo com os versos da poetisa Patty Vicensotti. “Mulher é uma espécie de flor viva, de ternura e defesa, que aflora com uma bela poesia; é a trama, o drama, a dama que, quanto mais se tenta, menos se explica, porque são mesmo misteriosas como as coisas divinas”.

Salve, salve as mulheres curaçaenses!



sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Mosaico Curaçálico

Muitos já partiram, mas deixaram seu legado em versos, canções, histórias e lições de vida. Outros ainda perambulam por aí espargindo alegria, fazendo festa, sendo cultura. Os mais sábios destilaram-se em poesia, em arte, em fulgor. E os mais loucos se transformaram em lendas urbanas. Cada um com o seu "pensário particular" e com sua filosofia de vida, que agora se faz nossa também.

Salve, salve os Curaçálicos!
 
 
 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Como me faz recordar

Logo cedo, por volta dos 7 anos de idade, eu comecei a ter contato com a poesia de José Amâncio Filho, o glorioso "Meu Mano". Fantástica! É incrível como ele conseguiu traduzir-se em música, especialmente na valsa. Seus versos transmitem sabedoria e genialidade de uma maneira simples e ímpar

Sem legenda: a foto, por si só, traduz-se em adjetivos

Meu Mano, no último dia nove, completaria mais uma primavera. Seria seu aniversário de 119 anos. E já que ele permanece vivo em nossos corações, eu não poderia deixar de agradecê-lo por ter existido em nossas vidas. Já são 38 anos de ausência, mas, como diz trecho de sua biografia, "talvez ainda ecoem pelo firmamento os sons do seu clarinete".
Placa fixada em sua antiga residência
  
Salve, salve Meu Mano!