quinta-feira, 3 de julho de 2014

De Cleuton a Kekê: um artista em mutação

Por Luciano Lugori
Kekê de braços abertos para o mundo. Foto: Luciano Lugori

Cleuton Cézar Ferreira Santos nasceu em 13 de janeiro de 1978 em Juazeiro-BA. Filho de Izabel dos Santos Ferreira e Adelar Nunes Ferreira, desde cedo – aos sete anos – enveredou pelas sendas do mundo artístico. O seu nome, segundo o próprio, foi escolhido por sua irmã, a professora Leda Ferreira. Já o apelido “Kekê” foi dado por seu irmão, Cláudio Roberto, conhecido como Kaká. 

As primeiras produções artísticas foram feitas em 1985 em folhas de caderno, as quais ele expunha nas paredes de seu quarto. No início dos anos 90, no auge das chamadas “galeras”, ele também criou a sua, “Ratos de Esgoto”, numa apologia aos esgotos da cidade, e foi o responsável pelas pinturas das camisas que representavam o grupo.

Em 1995 participou dos Bichos Escrotos, quando ajudou a compor as músicas “Conde Drácula”, marcada por sua risada sinistra, e “Mundo Virtual”, que fala de alguns “doidos” de Curaçá, além de fazer o desenho que virou símbolo da banda. Saiu de Curaçá pela primeira vez em 1997 quando foi morar no Projeto Fulgêncio, em Santa Maria da Boa Vista-PE. Por lá, conheceu Jaqueline Gomes, com quem teve seu primeiro filho, Cleuton Cezar Ferreira Santos Junior, que nasceu em 12 de janeiro de 1999, um dia antes de seu aniversário. Nesse mesmo período ele conheceu Clécia Maria Jatobá, com quem se casou e vive até os dias de h0je. Clécia é a mãe de mais dois herdeiros: Isabel dos Santos Ferreira Neta, num preito à sua mãe, e João Ezequiel Jatobá Ferreira, o “Dinossauro”. Kekê também é pai de Cleuton Fernando Oliveira Ferreira, filho de suas aventuras. 

Em 2001 retornou a Curaçá para trabalhar no Projeto Ararinha Azul. Também trabalhou na Logus Butiá em 2002. Em 15 de janeiro de 2003 partiu para o estado de Alagoas, onde morou durante cinco anos. Em Colônia Leopoldina criou com amigos a banda “Funeral Hell”, cover da banda “Sepultura”. Em Ibateguara trabalhou como monitor do PETI. Já na capital alagoana Maceió, prestou serviços pintando letreiros no Estádio Rei Pelé. Foi também em Alagoas, no ano de 2004, que Kekê começou a tatuar, incentivado pelos amigos Agamenon “Zunho” e Diego “Gel”. A partir dali começou a utilizar o “Kekê Tattoo” como nome artístico. 

Kekê tem levado o nome de Curaçá aos quatro cantos do país através de suas pinturas em telas, discos de vinil, telhas etc. Já participou dos programas Mosaico Baiano e Bahia Esporte, ambos da TV Bahia, do Globo Esporte nacional e deu várias entrevistas nas TVs, rádios e jornais locais. 

Recebeu em 2011 uma Moção de Aplauso da Câmara dos Vereadores de Curaçá – de autoria de Theodomiro Mendes – como reconhecimento do seu trabalho. Já foi perfilado e entrevistado pelos Jornalistas Juliano Ferreira, Luciano Lugori e Maurízio Bim, sendo tema de diversos trabalhos acadêmicos para Universidade do Estado da Bahia, a UNEB.

Vários artistas de renome no cenário nacional – e até internacional, como no caso da banda norte-americana Information Society que fez show na região – já foram pintados por suas mãos e com toda sua genialidade. No seu portfólio, entre tantos nomes, estão os de Pitty, Pouca Vogal, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, Titãs, O Rappa, Lulu Santos, Djavan, Maria Gadu, Zeca Pagodinho, Ivete Sangalo e Charlie Brow Jr. 

Recentemente organizou as exposições “Um olhar Veloso”, sobre Caetano Veloso, “Tamo aí na atividade” em alusão a Chorão, ex-vocalista do Charlie Brow Jr., “Ivete Sangalo: maravilhosa, linda e caliente” e “Fruto da Bola” em homenagem ao jogador juazeirense Daniel Alves.

Cleuton Cézar metamorfoseou-se em Kekê, Kekê Tattoo, Kekê di Bela. Este último, que lembra sua mãe, Bela de Calango, é o que mais tem sido utilizado e difundido pela mídia local na divulgação de suas exposições artísticas, apesar de assiná-las apenas como Kekê. 

Hoje, Curaçá recebe a exposição “Simplesmente, Herval Félix”, num tributo ao professor, político, poeta e vaqueiro curaçaense. Uma homenagem justa a um homem simples e sábio que durante anos destilou-se em inteligência e contribuiu para enriquecimento cultural de seu povo.


quinta-feira, 29 de maio de 2014

José Profírio e as reminiscências de Trasíbulo, Pedro Fogoso e outros “doidos”

José Profírio. Foto: Luciano Lugori
Minha curiosidade pelos causos de Trasíbulo foi atiçada por Dona Valdelina, atual Secretária de Educação de Curaçá, que durante uma reunião na Biblioteca comentou sobre os “doidos” do tempo de sua infância. Desde então, tenho procurado aos mais velhos por essas lembranças, no intuito de recuperá-las e registrá-las num livro, o qual será o produto final do meu TCC.

Hoje, logo cedo, tive uma boa prosa com Seu Zé Profírio. Ele, que é natural de Macururé, chegou a Curaçá para trabalhar na construção do Cais, do Hospital Regional e do Mercado Municipal, nos final dos anos 40. A intenção da minha conversa era buscar mais informações sobre Seu Trasíbulo, que é parte integrante da pesquisa sobre os ditos “doidos” de Curaçá, e Seu Zé, numa conversa que durou aproximadamente 28 minutos, me revelou algumas histórias que ouviu e viveu nos últimos 65 anos. E lembrou:

- Trasíbulo vivia amarrado no tronco duma árvore. Sempre o via na Macambira. Ele sofria das faculdades.

Essas “faculdades” se referem, noutras palavras, à loucura (naquele tempo as ditas “doenças da cabeça”). Já ouvi dizer que Trasíbulo subia nas casas do povo, mas Seu Zé, em nenhum momento, afirmou se lembrar disso, no entanto, tem uma vaga lembrança de que essa característica parecia ser de Colotaro, outro “doido” contemporâneo. E continuou, instigado pelas minhas perguntas sobre “loucos”, lembrando a sua chegada à cidade, quando ainda era um jovem de 22 anos. Daí surgiu outro nome, o de Pedro Fogoso. 

- Quando eu cheguei aqui, Curaçá era tão bem pequena, que Pedro Fogoso, além de cuidar da cidade também zelava do cemitério, limpava e sepultava os defuntos.

Pedro Fogoso era negro, funcionário da Prefeitura e o responsável pela limpeza das ruas – serviço realizado com um carrinho de madeira e uma vassoura. Em meio à conversa, surgiu outra recordação:

- O povo da época o aperreava por causa da sua aparência e do seu sistema de vida. O apelidaram de “Urubu da Prefeitura”. Arreliaram tanto que ele morreu no mato, fugindo da “molhação da rua”.

Seu José Profírio disse que Pedro Fogoso não gostava das brincadeiras dos "entrudos" – como eram chamados os carnavais de antigamente – que eram realizadas pelos adultos. E pra escapar da agitação da rua, fugiu para o mato, onde se perdeu e morreu. 

A história mais interessante de Pedro Fogoso é a do “pé de pimenteira”:

- Nasceu uma pimenteira em cima de uma cova. Pedro, todo zeloso, arrancou os matos aos arredores e tratou de cuidar do pé de pimenta. Depois de um tempo, já carregado e com as pimentas maduras, ele as colhia e oferecia a Martinha Badeca, que inocente fazia bom uso da especiaria na sua culinária. Num certo dia Dona Martinha, sem saber a origem do tempero, e sempre grata, solicitou a Pedro mais algumas unidades. No entanto, devido o sol escaldante do verão, a pimenteira morreu. Pedro Fogoso então revelou que o tal pé da pimenta ficava no cemitério e que o mesmo havia morrido devido às secas. Dona Martinha, finalmente descobriu donde Pedro arrumava tanta pimenta.

Seu Zé, que era pra se chamar José Fernando – nome tirado de um almanaque – foi batizado como José Pereira da Silva, mas ficou conhecido como José Profírio, nome herdado do pai Profírio Pereira. Hoje, com 87 anos, completados no último dia 13 maio, mora numa residência próxima ao Teatro Raul Coelho e gasta boa parte do tempo proseando e jogando baralho com Seu Maroto, quase "noventão", e Seu Luizinho Lopes, quase "centenário".

quinta-feira, 22 de maio de 2014

José de Jesus: de restaurador de livros a Jorge “Doido”

Jorge Doido. Foto: Luciano Lugori
Ele tinha 14 anos quando chegou a Curaçá. Antes disso morava na capital baiana, onde nasceu no dia 05 de abril de 1963. Filho de Lindaura Maria de Jesus e de pai que nunca conheceu, conta sua mãe que se chamava Amaro dos Santos, foi batizado como José Jorge de Jesus, um nome forte e um tanto curioso. Primeiro, são três nomes que começam com a mesma letra, o “jota” (J), e cujos significados são distintos e ao mesmo tempo ligados – religiosamente falando – um ao outro, talvez isso seja apenas uma mera coincidência. Segundo, José e Jesus, nome e sobrenome, pai e filho, como prega à história bíblica. E terceiro, no meio do nome, Jorge, um dos santos mais devotados na religião católica.

Quem dera Jorge ser chamado de “Santo” ou ter crescido com a presença de um pai. Quem sabe se os caminhos não teriam sido outros. Ou não! Mas, entre pai e santo, o que ele foi mesmo, foi filho. E ainda jovem, bem adolescente, lá pelas bandas de Salvador, estudou no Colégio Salesiano de Salvador, em Nazaré, onde aprendeu a restaurar livros, consertando e costurando as capas com fios de nylon. Sobre essa época, Jorge diz:

- Trabalhei uns dois anos arrumando livros para serem reaproveitados pelas escolas. Mas não estudei quase nada.

Nesse mesmo período, ele foi avaliado por um psiquiatra que apontou problemas na sua saúde e o diagnosticou como epiléptico. Foi assim, de acordo com sua própria lembrança, que Jorge ganhou o sobrenome que carrega até os dias de hoje e, certamente, levará para o seu túmulo: Doido. Ele não se incomoda nem um pouco com isso, aliás, Jorge graceja muito toda vez que conversamos sobre loucura, especialmente a sua.

- Tem dias que eu fico meio agitado, meio danado. Penso em coisas que é melhor nem falar. Parei de frequentar o CAPS e de tomar o Gardenal.

E mesmo ele dizendo isso, eu insisto em perguntar:

- Mas você é se acha “doido”?

E ele imediatamente me responde:

- Nunca me viram jogando pedra.

Jorge seguramente não é “louco de pedra”, apesar de os olhos da sociedade o observarem sempre de maneira atravessada. Dessa sandice ele não escapa. Mas ele, que é sobrinho de Zé Caiano e neto de Júlia Cangula, sempre foi um labutador. Trabalhou como carroceiro nos tempos de João do Fumo e, desde setembro de 1980, como gari da Prefeitura Municipal de Curaçá, limpando a sujeira do povo de curaçaense, o mesmo que o estigmatizou como “doido”. Nos últimos dois anos mudou de setor e agora rala como jardineiro, zelando as plantas da Praça Marieta Bahia.

Salve Jorge, o santo e o doido!

domingo, 18 de maio de 2014

Jornal Asa Branca: uma chama de liberdade, um vigilante alerta



Capa da 24ª Edição do Jornal Asa Branca (Curaçá-Bahia) - Junho/1982

Sempre que posso, eu leio, releio, faço estudos e análises dos textos, especialmente dos artigos, publicados no extinto Jornal Asa Branca. Através dele, e talvez tão somente por ele, é possível recontar – jornalisticamente falando – parte da história de curaçaense. Como está registrado no livro História da Imprensa de Curaçá, do jornalista Maurízio Bim, o jornal foi o “primeiro veículo de informação do Município”. E eu digo: ele, certamente, foi muito além disso. E sem falsa modéstia, os textos lá publicados são "duma" exímia excelência e permeados de sapiência ímpar.

Fazer jornalismo em Curaçá, ainda que no início dos anos 80 e com a imprensa se consolidando Brasil afora, certamente não foi tarefa fácil. E mesmo se caracterizando como um “jornal político oposicionista”, não há dúvidas (observando as matérias nele publicadas) que ele foi legítimo e que cumpriu o seu papel social. E, como pronunciaram seus editores, o Jornal Asa Branca foi uma “chama de liberdade” e um “grito inconformado ante as condições humilhantes” imposta às pessoas, em tempos difíceis e sufocantes, de governos ditatoriais e birrentos e de gente  afoita querendo afrontá-los.

Na edição nº 2, de 28 de junho de 1980, o colaborador Walter Araújo assinou um texto intitulado “Verdade com democracia”, o qual transcrevo abaixo alguns fragmentos para que façamos algumas reflexões introspectivas.

O primeiro parágrafo do artigo diz o seguinte: “A maneira mais democrática de se fazer jornal, tal como entendemos, deve ser embasada na seriedade de propósitos e da vontade constante e ininterrupta de divulgar a verdade, mesmo que, em consequência, venha se chocar antagonicamente com o interesse daqueles que se inclinam para dentro de si mesmos, ignorando as aspirações, as necessidades, os reclames e as conveniências da coletividade”.

Hoje, 34 anos depois, me inquiro sobre os modos de produção jornalística atuais, especialmente em Curaçá. É claro que os tempos mudaram. E se naquela época o Jornal Asa Branca, mesmo artesanal, datilografado, mimeografado e com tiragem limitada, incomodou por levar a verdade ao povo e estimular debates na sociedade curaçaense, além de ser um “vigilante alerta” e um “denunciador dos problemas que afligiam a comunidade”, imaginem se o fosse esparzido nos dias de hoje, com tantos recursos e possibilidades e com os mesmos objetivos de outrora.

Seria possível produzir uma espécie de “JAB moderno” mesmo com uma juventude alheia ao que acontece na cidade, que se exime da culpa e a joga para os políticos, que se esquiva do prélio e dos movimentos sociais, que não quer mais transcender? Talvez não! Motivos existem, e, assim como as ferramentas para sua produção, “aos montes”, mas lhes falta o desejo de mudança, aquela vontade solene de gritar, de extravasar. E mesmo livre para produzir, parece que a juventude se calou diante do medo. E os jovens atuais se debruçam na ociosidade, na mesmice e na babaquice infinda.

E em tempos que o modo de se fazer jornalismo ganhou formas e ocupou os mais variados espaços – do impresso ao cibernético, do fixo ao móvel, do apurado ao instantâneo, do profissional ao hiperlocal – tenho uma leve impressão de que a imprensa curaçaense ainda está engatilhando. E ainda lhe falta um jornal (rádio, impresso, online ou outro) que seja do povo, feito realmente para o povo. Talvez, caiba a nós, jornalistas curaçaenses, contribuirmos para uma construção desse jornalismo "verdadeiramente democrático". 

Como lição, os convido para refletir sobre o que disse Walter Araújo, no último parágrafo do mesmo artigo citado acima. “Os meios de comunicação e informação devem desenvolver um trabalho plausível, sempre distantes de resquícios partidários, excluída a hipótese de opositores desta ou daquela política. Em outras palavras, vale dizer: independência sem conchavos e livre atuação sem extremismos”.

domingo, 13 de abril de 2014

Kekê di Bela, o filho do Nego D'Água

Kekê e Lugori, loucos! Foto: Jaquelline Lugori

Ele chega de repente, me abraça forte, pede desculpas e beija os meus pés. E as pessoas ao redor – as que ainda não o conhecem, sem nada entender – se perguntam e se espantam com a cena que é mistura de loucura, respeito e consideração. Ele é intenso. Aliás, sei lá o que ele é. Acho que ainda não sou capaz de defini-lo nem compreendê-lo totalmente, pelo menos por enquanto.

Nasceu como Cleuton Cezar Ferreira dos Santos, mas ficou conhecido como Kekê, Kekê Tattoo, Kekê di Bela. Este último, que lembra sua mãe, Bela de Calango, é o que mais tem sido utilizado e difundido pela mídia local na divulgação de suas exposições artísticas, apesar de assiná-las apenas como Kekê.

- Eu vou “roubar” seu rosto.

Cleuton diz isso para todo mundo que ele acha bonito – ou seja, todos! – e solta uma gargalhada sinistra, parecida com a da música “Conde Drácula”, dos Bichos Escrotos. E continua zanzando pelas ruas de Curaçá puxando conversa com um e com outro. E recorda uma história do passado. É cobrado pelo quadro que prometeu e nem lembrava mais. Tira uma foto aqui, outra acolá. E, pros mais íntimos, pede:

- Me dê uma esmola!

E com o dinheiro em mãos compra uma cerveja. Promete mais quadros. Abraça e abraça. Fala. Indaga. E se segue o itinerário. Passa na casa de Zé de Inês. No Bar de Zé Ivo. Na casa de Jorge Doido. Sai à procura de Galego de Elias. Pergunta por Ricardo Pereira. Dá um jeito de ver todo mundo. E não se cansa. Às vezes, passa a noite em branco, com os amigos ou sozinho. E quando sol nasce, ele já está de pé e pronto pra mais uma. O homem é um “bruxo”.

Eu, particularmente, já passei e convivi diversos momentos com Kekê. Alguns cômicos, uns de seriedade e outros de exagero, puro exagero. Um dia desses em Juazeiro, durante um trabalho para disciplina Semiótica do professor Cosme Santos, eu e meu grupo, resolvemos fazer uma entrevista com Kekê pra ouvir a sua opinião sobre a simbologia do Nego D’Água, já que ele sempre reproduzia a imagem da estátua do artista Ledo Ivo – aquela que fica na beira do rio, no Bairro Angari – em suas telas, camisas e discos de vinil.

- A carranca levou a fama, mas quem protege os pescadores e nosso rio é o Nego D’Água.

Dizia Kekê todo empolgado e cheio de convicção. Então perguntei:

- Quer dizer que você acredita no Nego D’Água?

Ele sem pensar duas vezes, respondeu rapidamente:

- É claro que sim! Lá em Curaçá, por exemplo, na pedra do Morcego, até hoje pessoas desaparecem misteriosamente. Acho que sou filho dele!

E quem sou eu para duvidar disso? Se é um mistifório de imaginação com realismo ou ainda de pensamentos irrigados com loucura em demasia, não importa. São coisas dele. E eu acredito.

Teve outra situação que presenciei, desta vez em Petrolina. Durante o show de Capital Inicial, do nada, Dinho Ouro Preto, vocalista e líder da banda brasiliense, percebeu a presença de Kekê e gritou sem nome. E no meio da música Fátima, um clássico do lendário Aborto Elétrico, quando Kekê ouviu seu nome ser chamado, saiu correndo feito um louco em direção a Dinho. A multidão que lotava o Iate Club abriu caminho. Ele pulou a grade de proteção, subiu no palco, fez gestos como se venerasse um rei, deu um abraço em Dinho, tomou-lhe o microfone, arriscou cantar trechos do música, mandou um alô para Curaçá e disse:

- Lugori essa é pra você!

Kekê é isso. Ora é explosivo. Ora é mais contido. Ele um cara espetacular, destes que são cheios de entrelinhas e labirintos. Vários artistas de renome no cenário nacional – e até internacional, como no caso da banda norte-americana Information Society que perambulou pela região – já foram pintados com as suas mãos e sua genialidade. No seu portfólio, entre tantos nomes, estão os de Pitty, Pouca Vogal, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, Titãs, O Rappa, Lulu Santos, Djavan, Maria Gadu, Zeca Pagodinho, Ivete Sangalo, Charlie Brow Jr.

Kekê di Bela, assim como eu, é fã de Macacuí, Zé Doido, João Pescocinho, Jorge Doido, Neném Pitaca, Domingão, Zoinho, enfim, de Curaçá. E quando escuta a canção “Alucinação” de Belchior, Kekê se derrete em lágrimas. É como se a música penetrasse sua alma, o corroesse por dentro e destilasse todas suas emoções. Ainda assim, ele pede para que eu repita a canção e aumente o som, insiste em que eu deixe no volume máximo. E, novamente me abraça, e chora como um louco em sua toda frenesi. Ele é um mix de loucura e sanidade.

E da mesma que me encontrou um tempo atrás no show dos Titãs – por acaso e num de repente, com toda cultualidade e depois sumiu na multidão – Kekê saiu da minha casa e partiu sem despedida num dia de carnaval, sem abraço, sequer um “até mais”. E, com a agressividade de um doido num surto psicótico, gritou no meio da rua:

- Lugori, eu sou um tubarão à deriva. Se eu te pegar no meu mar, vou te engolir!

Salve, salve Kekê di Bela. E, como diria Oswaldo Montenegro, que a sua loucura seja perdoada.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Lalá: "louco" por opção, astuto por natureza

Lalá em encontro político. Foto: Luciano Lugori
Seu nome de batismo é Josiná Possidônio da Silva, mas ele atende pelo epíteto de Lalá.

- Lalá, você se acha doido?

Foi a primeira coisa que eu quis saber.

- Às vezes eu fico meio “baruado”.

Esse foi o adjetivo que o próprio se deu. Confesso: foi a primeira vez que escutei essa palavra, que, pela encenação feita com olhos e mãos, ao pronunciá-la, deve significar algo perto de “maluquice”, quem sabe até uma espécie de “neologismo insano”. Mas Lalá, ao contrário de muitos, não se incomoda com rotulações.

E logo começa a me contar sua história:

- Nasci nu e sem luz, só a do candeeiro.

Do nascimento, em 10 de outubro de 1952 pra cá, Lalá teve uma vida cheias de histórias.

Começou a “ralar” desde cedo e zanzou – até hoje – por diversas ocupações. De ajudante de pedreiro a mecânico. De garçom a “desentupidor de fossa”. Segue a lista que o próprio perpetrou: trabalhou na Igreja, onde conheceu e frisou o nome do Padre José Luna; na Pedreira de Quinca Badeca; na Bonfinense, como colaborador; na Rovel, com venda de couros; no Bar e Lanchonete Primavera e também no Vaporzinho, ambos como garçom. Tudo isso pelas bandas de Juazeiro. Ainda trabalhou na pedreira de um tal de delegado Nozinho, em Carnaíba do Sertão. Já em Curaçá prestou serviços na Prefeitura como fiscal das "varredeiras" e – atualmente – é diarista no SAAE, onde executa desobstrução de esgotos.

Josiná continua relatando, com minuciosos detalhes, a sua relação com a loucura.

- Doutor, tô com um sapo na cabeça.

Disse Lalá ao médico em Recife.

- Doutor, só penso em matar a mulher e comer as filhas.

Uma pessoa que pensa – e diz – isso, certamente, não é normal. Só um exame de “sanidade mental” comprovaria se essa conversa desconexa de Josiná com médico era um “caso de doidice”. E ele fez uma série de exames. Passou por um bocado de clínicos e especialistas. João Oliveira, Wilson, Djalma, Elias, Juvêncio, Honório e Deuilson, o qual, segundo conta, lhe deu um “choque”. Durante os exames e sessões caiu ao chão, se bateu, virou os olhos. O homem é doido mesmo. E a tal “junta médica” encostou Lalá no início dos anos 80.

- Josiná, deixe eu ver o que médico colocou no seu laudo?

Ele finge nem ouvir a pergunta e continua com seus causos.

- Registre tudo, pode escrever aí.

Sobre a infância ele revelou coisas as quais prefiro não colocar aqui. Não por não ter sido importante para ele, mas por precaução e para evitar o vexame alheio com a exposição de sua memória insana. E pergunto mais uma vez:

- Você é doido?

Ele olha para mim, responde e sai correndo.

- Quem sabe é Deus.

Josiná está com quase 62 anos. Teve duas mulheres, Maria José e Andréa, que ele ainda insiste em dizer que são suas. Tem oito filhos e 15 netos. Às vezes é um tipo de “repórter” e chega todo dia com uma notícia. Outras vezes “dá uma de político” e faz discursos inflamados e comoventes. Enche os olhos de lágrimas quando fala de Patamuté. Se Lalá é louco ou se faz, eu não sei. E também não é da minha conta. Mas uma coisa eu posso afirmar: ele é uma figura emblemática na cidade.