terça-feira, 31 de março de 2015

Breve Histórico da Construção do Cais de Curaçá

O Cais de Curaçá em 1965. Fonte: Revista Delfos/Acervo Curaçaense
O cais[1] de Curaçá teve sua construção iniciada no fim da década de 40. A estrutura foi feita para evitar que as águas do rio atingissem às ruas da cidade, principalmente durante as cheias. Como, praticamente, não existem registros – pelo menos não foi encontrado nem acervo da prefeitura nem na Biblioteca Municipal – ou eles se perderam ao longo dos anos, informações a seu respeito sobrevivem apenas nas reminiscências dos mais velhos, talvez os únicos depositários dessa história.

Também não existem registros fotográficos da sua edificação. A imagem mais antiga está publicada na Separata da Revista Delfos, nº 5, de 1965, quando os professores Fausto Luiz de Souza Cunha e Antonio Carlos Magalhães Macedo, da Universidade do Estado da Guanabara, estiveram em Curaçá, numa viagem de reconhecimento geológico e paleontológico da região.  A foto do cais (ver foto acima) aparece sob a seguinte legenda “Curaçá, margem direita do São Francisco. Vê-se o paredão construído para proteger a cidade das enchentes do rio [...]”.   

Segundo informações cedidas pelo Sr. Manoel Alves dos Santos, conhecido como “Manoel de Salu”, a sua construção se deu em 1949, à época o prefeito era Dr. Pompílio de Possídio Coelho, mas a obra só foi concluída na gestão seguinte, com o Dr. Jayme da Silveira Coelho. Seu Manoel, que trabalhou como pedreiro, também afirmou que o Deputado Manoel Novaes, juntamente com a Comissão do Vale do São Francisco, incentivou a realização do cais.

De acordo com as lembranças de Seu Manoel, a construção em 1949 foi interrompida por causa de uma enchente que durou cerca de um mês e alguns dias, sendo posteriormente reiniciada. Alguns nomes vieram à sua mente: “O encarregado da obra era o mestre Doro e o fiscal geral seu Abílio. Os senhores Zé Porfírio, Zé Cuíca, Zé Antonio de Judite, Francisco Bispo também fazem parte dessa história. Eles ajudaram a construir essa barreira, evitando que a água alagasse a cidade”, recorda seu Manoel de Salu.

É importante frisar que essas informações não são oficiais, podendo, portanto, divergir ou convergir com outras pesquisas. No livro Caminhos de Curaçá, do professor e sociólogo Esmeraldo Lopes, o mesmo deixou registrado que o cais foi construído em finais da década de 40, mas não confirma que se estendeu até 1952. Porém, registra que o Deputado Manoel Novaes foi o responsável por sua solicitação.

No trecho abaixo, Esmeraldo relata como era Curaçá no período de construção do cais:

Não tinha cais. As mulheres lavando roupa no rio. Da rua para o rio, um ladeirão sem fim, cheio de pedra. [...] No domingo, na segunda-feira, os carregadores de saco gemendo com os sacos nas costas, rompendo a subida rio acima. Na água paquetes e paquetes; no seco animais e gente. A beira do rio era uma rua de gente. O governo decretou: construir cais em Curaçá. Gente chegando para trabalhar na obra. Obrão sem fim, de grande que era. O paredão de pedra subindo, os homens trabalhando. Um buracão danado se formando. Fazer enchimento. Carregar areia da ilha. Uma porção de canoas nessa labuta. Não dava. Contrataram gente para carregar terra. Jegue que não acabava mais. Não davam conta da obra no tempo dito. Trouxeram caminhão. Mais de seis meses de trabalho nesse serviço de transporte de terra, até tudo ficar pronto.

Atualmente existem três pedreiros vivos que trabalharam na construção do paredão do cais. Seu Manoel de Salú, Seu Zé Porfírio e Seu Chico Bispo. Ambos participaram desta pesquisa e contribuíram com seus testemunhos.

Seu Chico BispoFoto: Diego Gomes


[1] O caís é uma estrutura, geralmente uma plataforma fixa em estacas, ou região à beira da água. É também um nível mais alto ou calçada, comumente recoberto de pedras ao longo de um rio ou canal.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Pompílio de Possídio Coelho


“Também temos na vida ‘pôr de sol’
Há tardes calmas e manhãs serenas,
Auroras vivas, alvoradas belas
E também tristes noites não pequenas”.

Fragmento, CONTRASTES, Pompílio P. Coelho


Dr. Pompílio, como era conhecido, foi um médico, professor, poeta e político curaçaense (20 de setembro de 1911 – 01 de janeiro de 1984). Era filho de Carlota Coelho do Nascimento e Possídio Nascimento. É um dos vultos mais ilustres de Curaçá.

Em 1953, juntamente com outros intelectuais da época, organizou o Livro – alguns chamam de revista – do Centenário de Curaçá. Nele foram apresentadas três poesias de sua autoria: Partida da Felicidade, Contrastes e Adeus Meus Devaneios. Na ocasião a cidade comemorava os 100 anos de transferência da sede do Município e também da Paróquia. Durante anos contribuiu intelectualmente para o desenvolvimento local. A primeira maternidade de Curaçá foi batizada com o seu nome, assim como uma das ruas da cidade em homenagem e em reconhecimento aos serviços prestados à comunidade.

Como político exerceu o cargo de Prefeito do Município de Curaçá em duas oportunidades, de 1947 a 1950 e de 1971 a 1973. Também foi presidente da Câmara dos Vereadores na década de 60. Nas palavras do escritor patamuteense Walter Araújo, Dr. Pompílio foi um político com sólida estrutura social. Também atuou como professor no antigo Ginásio Municipal de Curaçá, o atual Colégio Ivo Braga. Inclusive fez parte do seleto grupo dos primeiros professores da referida escola, numa época em que estes não eram remunerados por suas atividades, pelo menos no seu início nos idos de 1963 a 1966. Faleceu em 1984 aos 72 anos de idade, deixando um enorme legado para os curaçaenses.


Santinho confeccionado pela Família Possídio. Foto: Acervo pessoal


Trecho de autoria do próprio Dr. Pompílio dedicado a um amigo que se foi. As mesmas palavras foram utilizadas pelos familiares na lembrança de sua morte:

“A matéria ancorou no porto extremo
Mas a alma prossegue o itinerário...
Imortal! Volta a Deus de onde proveio
Ao seio do ‘Divino Estatuário”.


O imortal só no Eterno tem princípio
Só o eterno – o imortal – pode criar
Volta o Princípio...então tu’alma boa
Vai em Deus descansar”.


História de Dr. Pompílio registrada por Walter Araújo Costa sem seu blog:

Coisas de Curaçá, coisas da juventude

Dr. Pompílio Possídio Coelho era médico e professor. Uma vez em conversa com os alunos do Colégio Municipal Professor Ivo Braga, no intervalo da aula de Português, disse que um pedaço de carne para ser bem digerido teria que ser mastigado quarenta vezes na refeição.

Um aluno espantou-se:
- Cada pedaço, professor?
- Sim, cada pedaço precisa ser mastigado quarenta vezes.

O aluno pensou e disse:
- Eita, e quem não tem dente!

Dr. Pompílio foi rápido:
- Então me diga: dente é um vocábulo oxítono ou paroxítono?
- Não sei, professor. Esse dente que eu mastigava a carne, caiu.

 

quinta-feira, 3 de julho de 2014

De Cleuton a Kekê: um artista em mutação

Por Luciano Lugori
Kekê de braços abertos para o mundo. Foto: Luciano Lugori

Cleuton Cézar Ferreira Santos nasceu em 13 de janeiro de 1978 em Juazeiro-BA. Filho de Izabel dos Santos Ferreira e Adelar Nunes Ferreira, desde cedo – aos sete anos – enveredou pelas sendas do mundo artístico. O seu nome, segundo o próprio, foi escolhido por sua irmã, a professora Leda Ferreira. Já o apelido “Kekê” foi dado por seu irmão, Cláudio Roberto, conhecido como Kaká. 

As primeiras produções artísticas foram feitas em 1985 em folhas de caderno, as quais ele expunha nas paredes de seu quarto. No início dos anos 90, no auge das chamadas “galeras”, ele também criou a sua, “Ratos de Esgoto”, numa apologia aos esgotos da cidade, e foi o responsável pelas pinturas das camisas que representavam o grupo.

Em 1995 participou dos Bichos Escrotos, quando ajudou a compor as músicas “Conde Drácula”, marcada por sua risada sinistra, e “Mundo Virtual”, que fala de alguns “doidos” de Curaçá, além de fazer o desenho que virou símbolo da banda. Saiu de Curaçá pela primeira vez em 1997 quando foi morar no Projeto Fulgêncio, em Santa Maria da Boa Vista-PE. Por lá, conheceu Jaqueline Gomes, com quem teve seu primeiro filho, Cleuton Cezar Ferreira Santos Junior, que nasceu em 12 de janeiro de 1999, um dia antes de seu aniversário. Nesse mesmo período ele conheceu Clécia Maria Jatobá, com quem se casou e vive até os dias de h0je. Clécia é a mãe de mais dois herdeiros: Isabel dos Santos Ferreira Neta, num preito à sua mãe, e João Ezequiel Jatobá Ferreira, o “Dinossauro”. Kekê também é pai de Cleuton Fernando Oliveira Ferreira, filho de suas aventuras. 

Em 2001 retornou a Curaçá para trabalhar no Projeto Ararinha Azul. Também trabalhou na Logus Butiá em 2002. Em 15 de janeiro de 2003 partiu para o estado de Alagoas, onde morou durante cinco anos. Em Colônia Leopoldina criou com amigos a banda “Funeral Hell”, cover da banda “Sepultura”. Em Ibateguara trabalhou como monitor do PETI. Já na capital alagoana Maceió, prestou serviços pintando letreiros no Estádio Rei Pelé. Foi também em Alagoas, no ano de 2004, que Kekê começou a tatuar, incentivado pelos amigos Agamenon “Zunho” e Diego “Gel”. A partir dali começou a utilizar o “Kekê Tattoo” como nome artístico. 

Kekê tem levado o nome de Curaçá aos quatro cantos do país através de suas pinturas em telas, discos de vinil, telhas etc. Já participou dos programas Mosaico Baiano e Bahia Esporte, ambos da TV Bahia, do Globo Esporte nacional e deu várias entrevistas nas TVs, rádios e jornais locais. 

Recebeu em 2011 uma Moção de Aplauso da Câmara dos Vereadores de Curaçá – de autoria de Theodomiro Mendes – como reconhecimento do seu trabalho. Já foi perfilado e entrevistado pelos Jornalistas Juliano Ferreira, Luciano Lugori e Maurízio Bim, sendo tema de diversos trabalhos acadêmicos para Universidade do Estado da Bahia, a UNEB.

Vários artistas de renome no cenário nacional – e até internacional, como no caso da banda norte-americana Information Society que fez show na região – já foram pintados por suas mãos e com toda sua genialidade. No seu portfólio, entre tantos nomes, estão os de Pitty, Pouca Vogal, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, Titãs, O Rappa, Lulu Santos, Djavan, Maria Gadu, Zeca Pagodinho, Ivete Sangalo e Charlie Brow Jr. 

Recentemente organizou as exposições “Um olhar Veloso”, sobre Caetano Veloso, “Tamo aí na atividade” em alusão a Chorão, ex-vocalista do Charlie Brow Jr., “Ivete Sangalo: maravilhosa, linda e caliente” e “Fruto da Bola” em homenagem ao jogador juazeirense Daniel Alves.

Cleuton Cézar metamorfoseou-se em Kekê, Kekê Tattoo, Kekê di Bela. Este último, que lembra sua mãe, Bela de Calango, é o que mais tem sido utilizado e difundido pela mídia local na divulgação de suas exposições artísticas, apesar de assiná-las apenas como Kekê. 

Hoje, Curaçá recebe a exposição “Simplesmente, Herval Félix”, num tributo ao professor, político, poeta e vaqueiro curaçaense. Uma homenagem justa a um homem simples e sábio que durante anos destilou-se em inteligência e contribuiu para enriquecimento cultural de seu povo.


quinta-feira, 29 de maio de 2014

José Profírio e as reminiscências de Trasíbulo, Pedro Fogoso e outros “doidos”

José Profírio. Foto: Luciano Lugori
Minha curiosidade pelos causos de Trasíbulo foi atiçada por Dona Valdelina, atual Secretária de Educação de Curaçá, que durante uma reunião na Biblioteca comentou sobre os “doidos” do tempo de sua infância. Desde então, tenho procurado aos mais velhos por essas lembranças, no intuito de recuperá-las e registrá-las num livro, o qual será o produto final do meu TCC.

Hoje, logo cedo, tive uma boa prosa com Seu Zé Profírio. Ele, que é natural de Macururé, chegou a Curaçá para trabalhar na construção do Cais, do Hospital Regional e do Mercado Municipal, nos final dos anos 40. A intenção da minha conversa era buscar mais informações sobre Seu Trasíbulo, que é parte integrante da pesquisa sobre os ditos “doidos” de Curaçá, e Seu Zé, numa conversa que durou aproximadamente 28 minutos, me revelou algumas histórias que ouviu e viveu nos últimos 65 anos. E lembrou:

- Trasíbulo vivia amarrado no tronco duma árvore. Sempre o via na Macambira. Ele sofria das faculdades.

Essas “faculdades” se referem, noutras palavras, à loucura (naquele tempo as ditas “doenças da cabeça”). Já ouvi dizer que Trasíbulo subia nas casas do povo, mas Seu Zé, em nenhum momento, afirmou se lembrar disso, no entanto, tem uma vaga lembrança de que essa característica parecia ser de Colotaro, outro “doido” contemporâneo. E continuou, instigado pelas minhas perguntas sobre “loucos”, lembrando a sua chegada à cidade, quando ainda era um jovem de 22 anos. Daí surgiu outro nome, o de Pedro Fogoso. 

- Quando eu cheguei aqui, Curaçá era tão bem pequena, que Pedro Fogoso, além de cuidar da cidade também zelava do cemitério, limpava e sepultava os defuntos.

Pedro Fogoso era negro, funcionário da Prefeitura e o responsável pela limpeza das ruas – serviço realizado com um carrinho de madeira e uma vassoura. Em meio à conversa, surgiu outra recordação:

- O povo da época o aperreava por causa da sua aparência e do seu sistema de vida. O apelidaram de “Urubu da Prefeitura”. Arreliaram tanto que ele morreu no mato, fugindo da “molhação da rua”.

Seu José Profírio disse que Pedro Fogoso não gostava das brincadeiras dos "entrudos" – como eram chamados os carnavais de antigamente – que eram realizadas pelos adultos. E pra escapar da agitação da rua, fugiu para o mato, onde se perdeu e morreu. 

A história mais interessante de Pedro Fogoso é a do “pé de pimenteira”:

- Nasceu uma pimenteira em cima de uma cova. Pedro, todo zeloso, arrancou os matos aos arredores e tratou de cuidar do pé de pimenta. Depois de um tempo, já carregado e com as pimentas maduras, ele as colhia e oferecia a Martinha Badeca, que inocente fazia bom uso da especiaria na sua culinária. Num certo dia Dona Martinha, sem saber a origem do tempero, e sempre grata, solicitou a Pedro mais algumas unidades. No entanto, devido o sol escaldante do verão, a pimenteira morreu. Pedro Fogoso então revelou que o tal pé da pimenta ficava no cemitério e que o mesmo havia morrido devido às secas. Dona Martinha, finalmente descobriu donde Pedro arrumava tanta pimenta.

Seu Zé, que era pra se chamar José Fernando – nome tirado de um almanaque – foi batizado como José Pereira da Silva, mas ficou conhecido como José Profírio, nome herdado do pai Profírio Pereira. Hoje, com 87 anos, completados no último dia 13 maio, mora numa residência próxima ao Teatro Raul Coelho e gasta boa parte do tempo proseando e jogando baralho com Seu Maroto, quase "noventão", e Seu Luizinho Lopes, quase "centenário".