sábado, 5 de abril de 2014

“Seu” Maroto e o aranzel sobre a morte


Seu Maroto à espera da morte. Foto: Luciano Lugori
Sentado na cadeira de Seu Porfírio, parceiro de baralho, de prosa e vizinho, Juvêncio lamenta a vida:

- Eu já estou morto! Não sei por que a morte não me leva logo.

Ultimamente esse tem sido o seu lengalenga, implorar à morte pelo fim.

Por que um homem desejaria isso?

Seu Maroto está com 80 e tantos anos. É pai de seis filhos, quatro homens e duas mulheres, e avô de seis netos. Foi vereador. É um dos comerciantes mais antigos da cidade. E, apesar da idade avançada, é um homem que esbanja saúde, é trabalhador e ativo.

Faz “fezinha” na lotérica pra Dione, sua filha. Ele também arrisca a sorte - tem muitos projetos em mente. Atende aos pedidos de Dona Euza, sua esposa, nas necessidades e nas tarefas da casa. Perambula pelas ruas. Joga baralho e conversa fora quase todas as noites. Ainda abre e cuida do seu armazém, que mantém características das velhas e tradicionais mercearias. Às vezes, como os pensadores, prefere a solidão - seja na poltrona de sua casa ou no banco ao lado do Teatro Raul Coelho. Mas tem uma coisa, talvez a que mais gostasse de fazer, que ele não está mais “podendo” realizar: cuidar da roça e zelar dos seus “bichos”. Essa era uma atividade diária e ele sempre fazia o percurso, cerca de 6 km entre ida e volta até o sítio, na maioria das vezes, de bicicleta.

Depois de um acidente, onde um carro o atropelou pelo caminho, a preocupação tem sido redobrada. Com isso o trajeto diário foi interrompido por receio à nova “negligência” alheia. Isso o entristeceu. Tirá-lo dessa rotina o deixou desmotivado e a ociosidade tem provocado situações inesperadas. Esses dias, seu Maroto - inquieto e veemente - queria subir na casa para consertar o telhado.

Ainda assim, pelo o que conta, sua maior tristeza foi perder “parcialmente” a audição, o que tem dificultado as conversações em casa e com os amigos e sempre tem causado esse plangor e “desejo doido” pela morte. E segue lastimando:
Juvêncio cuidando do armazém. Foto: Luciano Lugori

- Tô surdo! Pra mim acabou!

Juvêncio é um homem forte e sábio, por isso a morte ignora seu rogo birrento. Ele agora nos escuta com olhos. Basta observá-lo para dizer-lhe algo e ele tão logo retribuirá a atenção, seja com gestos ou expressões. E o seu olhar apontado para diante nós, nos diz muito mais do que a boca e suas próprias palavras seriam capazes de exprimir.

Um comentário:

  1. Maroto é um “vencedor do tempo”, como acertadamente disse Wagner. É natural que, nesta altura da vida – ou do tempo – ela sinta essa vontade de manifestar o cansaço da vida. Mas ele é um cara esperto, aliás, espertíssimo, talvez diga isto filosoficamente, para coadunar com sua forma decente de viver. Muitas vezes, em anos distantes, participei de conversas costumeiras com Maroto. Conversas animadas, sinceras, convidativas. Suas gargalhadas pareciam uma forma de afastar os tropeços da vida. Lugori vai longe, despretensiosamente, com essa história de dizer as coisas de Curaçá.

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